Não se fala em outra coisa no meio jurídico, desde o último sábado (16/03),
quando a Deputada Federal Dani Cunha (União-RJ) apresentou parecer substitutivo e
pedido de tramitação em regime de urgência constitucional ao Projeto de Lei nº 03/2024 à
Câmara dos Deputados, para alterar pontos importantes da Lei de recuperação judicial,
extrajudicial e falências (Lei nº. 11.101/2005).
O texto original do PL, de autoria do Poder Executivo propõe “tornar o
processo de falência mais célere e efetivo” e dar maiores poderes aos credores. Todavia, o
cenário ganhou novos contornos após a apresentação do referido parecer substitutivo de
Relatoria da Ex.ª. Dani Cunha, com alterações e inovações que impactam significantemente
na Lei nº. 11.101/2005 que passou por uma ampla reforma em 2020.
Ao longo dos correntes dias, a comunidade jurídica, representantes dos setores
envolvidos, profissionais da área e a sociedade fizeram uma grande mobilização através de
um manifesto, contra o conteúdo das alterações propostas no parecer substitutivo e pedido
de tramitação em regime de urgência constitucional ao PL nº. 03/2024, que a princípio
estava pautado para a sessão do dia 19/03/2024 na Câmara dos Deputados, e teve sua
votação adiada para os próximos dias.
O manifesto pleiteia a retirada do PL da pauta, para possibilitar debates
técnicos mais amplos e democráticos com os profissionais especializados no direito da
insolvência, magistrados, promotores de justiça, representantes dos setores envolvidos e a
sociedade em geral, visando evitar retrocessos e impactos sem precedentes para o instituto
e para toda economia brasileira.
A presidente da OAB-MT, da qual somos inscritas, divulgou nota pública
sugerida pela Comissão Estadual de Falência e Recuperação de empresa, destacando sua
preocupação com PL 003/2024 “que é da Democracia a devida escuta da amplitude de
vozes, principalmente, neste caso, as vozes dos juristas”, diz o texto.
Igualmente, as demais Seccionais e Subseções da OAB, Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB), Associações de Administradores Judiciais, Institutos de
Insolvência, de Recuperação de Empresas e do Direito da Empresa, Sindicato dos
leiloeiros, Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, dentre outros, também emitiram
suas notas, demonstrando preocupação com as consequências da alteração da lei à revelia
da comunidade jurídica.
A previsão do texto original já demandava alterações significativas, o que
fatalmente levaria a debates mais amplos com especialistas na área e a sociedade. Já o texto
substitutivo, diga-se de passagem, apresentado em tempo recorde, demanda uma análise
mais acurada, em razão das inovações e alterações propostas.
O texto substitutivo ao PL como sugerido irá tornar mais burocrática e
ineficiente a falência tal como a Recuperação Judicial, para claramente beneficiar os
interesses de alguns em detrimento de outros.
Como diz o ditado popular: ‘a corda sempre arrebenta do lado mais fraco’!
Pelo que se confere na proposta, o ditado vai deixando de ser popular para ser
institucional, quando se busca estabelecer uma nova dinâmica, impondo que questões
cruciais e sensíveis aos processos sejam necessariamente decididas em assembleia geral de
credores por um grupo seleto, e que o juízo se limitará a homologar.
Um dos pontos que chama atenção, é que o texto substitutivo propõe que ‘será
considerada aprovada a proposta que obtiver votos favoráveis de credores que representem
mais da metade do valor total dos créditos’. Ou seja, isso irá beneficiar os maiores credores,
que quase sempre são as instituições financeiras que representam a fatia maior do passivo
concursal.
A forma de tomada das deliberações pelos credores, diante do seu poder
econômico, poderá prejudicar os demais hipossuficientes, como a classe dos credores
trabalhistas que, já não possuem os maiores créditos na falência, nem, tampouco, recursos
suficientes para se organizarem e votarem de forma coesa. A importância assumida nesse
sentido revela-se fatal.
E os absurdos não param por aí, já que a figura do administrador judicial será
substituída pelo gestor fiduciário, que surge sob a justificativa de uma “possível” solução de
aprimoramento do processo falimentar, de permitir que os maiores credores escolham o
gestor da massa falida e definam os rumos do processo, já era uma solução adotada pela
antiga Lei de Falências, o DL 7.661/45, que por motivos óbvios mostrou-se ineficaz.
O projeto cria também um plano na falência, que poderá propor variadas
formas de alienação de ativos, individualmente ou em bloco, desde que a aprovação ocorra
em assembleia geral de credores e seja homologado pelo Juízo. Esse plano dispensaria a
aprovação judicial para a venda de ativos e pagamento de passivos na sua implementação.
Tal previsão é disposta no art. 26 do projeto, o qual cria um parágrafo
estabelecendo como membro do Comitê de Credores, nas falências, um representante
indicado pela classe dos credores, com dois suplentes.
Da mesma forma, é incluída no texto original da proposta, regra que dispensa a
avaliação de bens, por se tratar de interesse dos credores para que esses ativos sigam
diretamente para alienação.
Não tem como fazer uma conclusão prematura da LRF n. 14.112, publicada
em 24/12/2020, quanto a suas morosidades, pois muitas das inovações que visam a
celeridade do procedimento falimentar não tiveram tempo suficiente para serem percebidas
e medidas por estudiosos, para verificar seu impacto, benéfico ou não.
Como bem pontuou o desembargador Cesar Ciampolini do TJSP em artigo
publicado na coluna do site Consultor Jurídico, “os estudos existentes que apontam a
demora na tramitação da falência pautaram-se em dados anteriores a 2020, inexistindo
estudo específico para aferir o seu impacto”. Completa afirmando que “sem tais
informações, não há como se concluir que a reforma tenha se mostrado inefetiva, nem que
os processos que utilizaram suas inovações sejam morosos ou incapazes de liquidar ativos
com potencialização do seu valor.
Conforme já mencionado, um ponto prejudicial ao processo é permissão para
os próprios credores decidirem a forma de receber seus recursos, por meio da venda de
ativos, sem anuência do judiciário. A proposta diz que isso vai trazer celeridade nos
processos, mas não observa o desencadeamento de controvérsias no próprio processo.
Nosso ponto de vista, é que tal medida pode contribuir para a morosidade do
processo, e por consequência a extinção da lei falimentar.
O texto da Relatora ainda prevê mandato limitado ao administrador judicial,
redução da remuneração dos administradores judiciais e poderes maiores ao gestor
fiduciário indicado pelos credores por maioria simples.
É preciso lembrar, que os Administradores Judiciais se profissionalizaram ao
passar dos anos, inclusive abrindo empresas especializadas com equipes multidisciplinares
para atender com excelência e técnica o múnus público do encargo. Para agora tentarem
extinguir a figura do administrador judicial.
Além disso, houve inúmeras aberturas de Varas Especializadas, justamente para
adequar aos comandos do CNJ, que pelo projeto sofrerão grande impacto com desperdício
de orçamento e estrutura.
Depois de todo esse esforço, tudo será em vão? Tudo isso foi “por água
abaixo’?
O projeto prevê o período de vacatio legis, com 60 dias para a lei entrar em vigor
após a data da publicação.
Ainda, além das alterações à Lei de Falências e Recuperação Judicial
promovidas pelo art. 1º, o texto da proposta, em seu art. 2º, estabelece que as alterações
promovidas na Lei nº 11.101/2005, “aplicam-se aos processos em curso”, o que representa
grande prejuízo e insegurança jurídica, pelo fato da dinâmica da atual lei e o projeto não
compartilharem o mesmo trilho procedimental, sem qualquer possibilidade de adaptação.
O manifesto, organizado por milhares de advogados, até o momento da
finalização deste artigo angariou mais de 2.069 assinaturas contra o regime de tramitação de
urgência do PL 03/2024 e o substitutivo apresentado em 16 de março de 2024, no entanto,
o projeto não foi retirado da pauta de votação.
Visando evitar maiores prejuízos, acaso votado o PL em regime de urgência,
como posto, a comunidade jurídica se mobilizou em curto espaço de tempo a fim de
promover emendas ao projeto, numa última tentativa de barrar a aberração jurídica que está
para acontecer, as quais sofreram maioria rejeição pela relatora.
Embora perplexas, acreditamos que a mobilização surtirá efeitos, ainda que não
neste momento, mas até a conclusão da votação do projeto pelo Congresso Nacional.
Maria Rita Soares Carvalho, advogada, sócia do escritório Ogliari e Carvalho
Advocacia e da empresa Safira Auditoria e Administração Judicial. Atuante no
Direito Empresarial, especialmente em Contratos Empresariais e assessorando
Administradores Judiciais em Recuperação Judicial na Comarca de Cuiabá-MT.
Pós-graduada em Direito Processual Civil. Capacitada em Falências e Recuperação
de Empresas, pela FGV. Pós-graduação em Direito Empresarial pela PUCRS,
cursando. Cursando Administração pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci.
Membra da Comissão de Direito Empresarial e do Trabalho da OAB/MT.
Associada ao IBAJUD e CMR. Redes sociais: @ogliariecarvalho @safira_ajmt |
Site: www.ocadv.adv.br
Adriane A. Barbosa do Nascimento, advogada, sócia do escritório Simões Santos,
Nascimento e Associados. Mestra em Economia, Políticas Públicas e
Desenvolvimento. Mediadora Privada, Especialista em Direito Societário e em
Direito Individual e Coletivo do Trabalho. Mediadora Privada. Consultora em
Gestão de Conflitos Corporativos e Reestruturação Empresarial. Com Estudo
premiado em 1º lugar na categoria Artigo Técnico do XXIX Prêmio Brasil de
Economia, 2023. Membra da Comissão de Direito Empresarial.
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